Miraildes Maciel Mota cresceu correndo descalça pelos campos de barro do Subúrbio Ferroviário de Salvador, nos anos 80. Era a única menina entre os cinco filhos de Dona Celeste e carregava nos pés o inesperado sonho de fazer história no futebol. Parecia impossível. Mas ela conseguiu. A caminhada terminou se entrelaçando com a história do esporte. E a capacidade de se multiplicar dentro de campo - observada pela torcida - rendeu o apelido que virou nome: Formiga.
Formiga odiava ser chamada assim, mas se acostumou com o passar do tempo. Terminou gostando. Era a síntese do estilo discreto e eficiente, em um trabalho incessante - que também se refletia na própria personalidade da jogadora.
A postura introspectiva e a função dentro de campo podem ter influenciado para a falta de premiações individuais na carreira de Miraildes. Mas nada se tornou maior que a representatividade da eterna camisa 8.
Uma mulher negra, nordestina e lésbica, que virou símbolo da história.
Ninguém no mundo jogou mais Copas que ela, ninguém esteve em mais Olimpíadas, e não houve geração do futebol feminino brasileiro sem a presença dela. Foram 26 anos de estrada com a seleção - antes da aposentadoria pela equipe, em 2021. Construiu uma vida dedicada às mulheres, e como voz ativa na busca por reconhecimento no esporte.
Em 2016 - após uma década de luta -, Formiga cansou. Despediu-se da seleção em Manaus, aos 38 anos, porque não conseguia mais cobrar avanços sem enxergar a evolução que esperava.
"Não dê a esperança e depois tire. Tem que continuar. Só assim a gente vai conseguir o que estão cobrando do futebol feminino."
— disse em 2017, após a demissão da técnica Emily Lima.
Só aceitou voltar - para a Copa América de 2018 - porque sentiu que a missão não estava completa. É uma mulher que cansava, mas nunca para de correr. E mesmo naquela época, era um ponto de equilíbrio de um conjunto desequilibrado.
Conquistou o título, quebrou recordes de participações e despediu-se de vez da seleção na Copa de 2019, na França. Foram sete Copas do Mundo (de 1995 a 2019), seis Olimpíadas (de 1996 a 2016), três ouros em Pan-Americanos, um vice-campeonato mundial e duas pratas em Jogos Olímpicos.
Nunca quis se provar melhor do que ninguém. E talvez assim tenha se feito histórica.