"Que nem agora, como carne todo dia. Mas quando é no inverno, é só uma vez por semana, uma vez por mês. Só dá pra pagar conta."
Essa frase é do seu Ivan Messias, de 68 anos. Ele contou isso num dia lindo de verão, com a praia lotada e o carrinho de sorvete quase vazio. Essa descrição do dia não é firula para o texto ficar bonito: é uma condição essencial para o seu Ivan e todos os trabalhadores da praia, que sofreram com um dezembro frio e chuvoso que azedou as vendas.
É do verão lindo, ensolarado e lotado que os trabalhadores sazonais tiram o sustento do ano inteiro. No inverno, não tem turista, venda, nem salário.
Conversei com o Ivan na praia do Guaecá, uma das mais frequentadas da região central de São Sebastião, no litoral de São Paulo. Eu nasci lá. Meus pai, tios e primos também já venderam sorvete na praia, assim como o seu Ivan.
Eu estava feliz por fazer essa reportagem no "meu quintal". Já seu Ivan, não muito. Ele me contou que ganhou menos do que esperava em dezembro. Por isso, tinha precisado chegar mais cedo e passar o dia inteiro na praia em janeiro. Estava cansado.
A Beatriz, dona de uma barraca de comidas e bebidas, também estava preocupada com a renda da temporada e apostando no carnaval pertinho, no meio de fevereiro, pra estender a estadia dos turistas. A Bia não tem outra atividade, só a barraca na praia. Perguntei se ela conseguia se sustentar o ano todo com o que recebe no verão:
"Às vezes sim, às vezes não", respondeu.
Nas temporadas antes da pandemia, Sílvio Ambrósio Ferreira conseguia fazer de R$ 60 mil a R$ 80 mil. Agora que finalmente tudo está mais calmo, ele espera repetir o sucesso. De dia, Sílvio vende quitutes: biscoito, docinho, batata, queijadinha. De noite, drinks e bebidas.
"Eu trabalho o ano inteiro, com sol e chuva. Quando não tem praia, vou pra feira, pro centro da cidade com meu carrinho, porque consegui licença do prefeito. Mas minha vida muda 200% no verão. Consigo guardar dinheiro, viver melhor", conta.
Aposentados, o casal Venino e Midian tem uma barraquinha de artesanato em madeira no centro da cidade. Quando cheguei na barraca deles no sábado à noite, ela estava lotada de turistas divididos entre os chaveiros de peixe e de barco para levarem de presente.
Eles não vivem mal no inverno, mas aproveitam a renda do verão como os trabalhadores CLT usam o 13º: pagam IPVA, ITPU, as compras de fim de ano e os gastos do começo. Neste ano, eles decidiram expandir os produtos que fabricam.
"A gente sabe que São Sebastião é sazonal. Passou fevereiro, dá uma diminuição total do turismo", desabafa Nino.