A informação de que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar em 2023 um julgamento que se arrasta há 25 anos sobre uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) levou alguns perfis nas redes sociais e grupos de WhatsApp a reproduzirem comentários indignados de que a corte poderia proibir a demissão sem justa causa no Brasil.
Não se trata disso, conforme os advogados que falaram à reportagem da BBC News Brasil. Derrubar essa regra seria inconstitucional.
A convenção 158 da OIT, objeto do julgamento do Supremo, estabelece a necessidade de justificativa para as demissões feitas por iniciativa do empregador. Essa justificativa pode ser, por exemplo, de ordem econômica (a empresa precisa reduzir o número de funcionários), técnica (a função do empregado deixará de existir por conta de uma automatização) ou mesmo de desempenho (a empresa julga que a performance do funcionário está aquém do que ela gostaria).
A empresa continua podendo demitir unilateralmente, conforme as regras estabelecidas pela legislação brasileira, mas passaria a precisar evidenciar o motivo do desligamento — mesmo que ele não fundamente uma "justa causa".
"O fato de o texto da convenção usar a expressão 'justificar' é que talvez tenha causado confusão [com a 'justa causa' da legislação trabalhista brasileira]", comenta Fabíola Marques, sócia do escritório Abud Marques Sociedade de Advogadas e professora da PUC-SP.
A convenção 158 da OIT foi lançada em 1982 e conta com 35 signatários, entre eles Austrália, França, Espanha, Finlândia e Suécia.
O que o STF vai julgar
Trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1625, que chegou ao Supremo em 1997.
Nela, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag) questionam a decisão do então presidente Fernando Henrique Cardoso de retirar o Brasil da convenção 158 da OIT.
O Brasil havia ratificado o dispositivo em 1995, após votação do Congresso. Em novembro de 1996, contudo, FHC revogou a participação do país no tratado internacional — ou "denunciou", no jargão jurídico.
A ação da Contag argumenta que o presidente não poderia ter unilateralmente decidido pela retirada do país. Da mesma forma que a ratificação foi aprovada pelo Legislativo, sua retirada também deveria sê-lo. E é esse o mérito em discussão no STF: se o decreto assinado pelo presidente na época é ou não constitucional.
O que está em jogo
Caso o Supremo decida que a revogação foi inconstitucional, a convenção 158 da OIT poderia, então, passar a valer no Brasil.
O que ainda não se sabe é de que forma. Entre os 8 votos de ministros já computados desde o início do julgamento, em 1997, já há maioria formada em torno do entendimento de que o decreto presidencial é inconstitucional.