Considerados vilões da saúde, sódio, gorduras e açúcares livres em excesso, além de aditivos que realçam cor, sabor ou textura estão em 98,8% dos alimentos ultraprocessados disponíveis nos supermercados brasileiros.
Esta é a principal conclusão de um estudo desenvolvido pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em parceria com o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens-USP), com colaboração de outras instituições, publicado nesta quarta-feira (30) no periódico Scientific Reports.
Foram analisados 10 mil produtos considerados ultraprocessados — ou seja, aqueles que, segundo o Nupens na chamada Classificação Nova, "não são propriamente alimentos, mas, sim, formulações de substâncias obtidas por meio do fracionamento de alimentos".
Entre eles estão refrigerantes, salgadinhos de pacote, pães e outros panificados embalados, margarina, bolachas, doces, chocolates, cereais matinais e misturas para a preparação de bebidas com sabor frutas.
Os pesquisadores verificaram os alimentos embalados disponíveis em grandes redes de supermercados, seguindo a lógica, como explica a nutricionista Daniela Canella, pesquisadora da Uerj e autora principal do artigo, "de que a maior parte dos alimentos são adquiridos em supermercados".
De acordo com o estudo, 97,1% dos alimentos classificados como ultraprocessados têm pelo menos um ingrediente crítico em excesso — sódio, gorduras e açúcares livres.
"O consumo excessivo desses componentes está associado ao desenvolvimento de obesidade e diversas outras doenças crônicas, como diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares", alerta Canella.
Já os chamados aditivos cosméticos — ingredientes utilizados para realçar a cor, o sabor ou a textura — estão presentes em 82,1% dos produtos. "É mais difícil estudar o efeito isolado de cada aditivo ou o combinado de diferentes aditivos do que estudar o efeito de nutrientes críticos na saúde. Mas existem evidências da relação entre corantes e desenvolvimento de alergias e de transtorno de déficit de atenção com hiperatividade, emulsificantes com alteração da microbiota intestinal, nitritos e desenvolvimento de câncer", enumera a pesquisadora.
"A questão é que, apesar dos aditivos utilizados serem aprovados pela, as indústrias não tem que informar nos rótulos a quantidade utilizada em cada produto. Com o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, é possível que o consumo esteja excedendo a ingestão diária aceitável."
Com a sobreposição desses dois pontos — o percentual de alimentos com ingredientes críticos em excesso e aqueles com aditivos cosméticos — os pesquisadores chegaram ao alarmante índice de 98,8% de alimentos com potencial para causar problemas, uma vez que há alimentos que apresentam as duas características e outros que têm apenas uma delas.
Para a engenheira de alimentos Cristina Leonhardt, fundadora da plataforma Sra Inovadeira, esse cenário é consequência do modus operandi da indústria alimentícia no Brasil.
"A perspectiva do desenvolvimento de produtos aqui não é necessariamente da nutrição, mas sim da engenharia de alimentos", explica ela, que trabalhou por mais de 15 anos na indústria do setor. "Esta é muito atrelada a entregar para o consumidor aquele alimento ‘perfeito' para ele, nas melhores condições de cor, sabor e textura, e que chegue até o final de sua vida na prateleira sem alterações dessas características."