Você está em:

‘Pacientes tomam 300 comprimidos por dia’: a crise do Zolpidem no Brasil

Entenda os três principais fatores que explicam a epidemia de abuso dos remédios contra a insônia no país
Picture of Amanda Omura

Amanda Omura

Nos últimos anos, uma "competição" informal e velada passou a dominar as rodas de conversas de psiquiatras e especialistas em medicina do sono brasileiros: saber quem atendeu o paciente que tomou a maior quantidade de comprimidos de Zolpidem num único dia.

O remédio usado no tratamento contra a insônia, disponível no mercado há mais de 30 anos, ganhou protagonismo maior na última década, pela junção de uma série de fatores que você vai conhecer ao longo desta reportagem, como uma facilidade na prescrição médica e um apelo quase irresistível para um problema relativamente comum — a dificuldade para dormir.

Alguns médicos ouvidos pela BBC News Brasil contam que é cada vez mais frequente receber no consultório indivíduos que ingeriram 40 ou 50 unidades do fármaco de uma só vez.

"Nós já internamos pessoas que tomaram 300 comprimidos de Zolpidem num dia", relata o psiquiatra Márcio Bernik, coordenador do Programa de Transtornos de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo (IPq-FMUSP).

O especialista aponta que essa medicação virou uma das drogas de abuso no Brasil — e, guardadas as devidas proporções, chega a comparar o que acontece no país com o cenário de abuso de opioides que assola os Estados Unidos.

Para a neurologista Dalva Poyares, do Instituto do Sono, em São Paulo, a situação já pode ser classificada como um problema de saúde pública.

O consumo de Zolpidem aumentou quase que numa progressão geométrica, e falamos aqui de um medicamento que está relacionado à dependência e abuso.
— Dalva Poyares, neurologista do Instituto do Sono
Falando em dados, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) calcula que 13,6 milhões de caixas dessa medicação foram vendidas em 2018. Dois anos depois, em 2020, esse número saltou para 23,3 milhões — um crescimento de 71% em poucos meses. Desde então, essas estatísticas nunca ficaram abaixo da casa dos 20 milhões anuais.

O psiquiatra Lucas Spanemberg, do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), concorda com a avaliação de seus colegas. “Eu trabalho na Unidade de Internação Psiquiátrica do Hospital São Lucas, em Porto Alegre, e temos recebido casos dramáticos de dependência de Zolpidem”, diz ele.

"Já lidei com pacientes que tomavam duas ou três caixas inteiras [com 30 comprimidos cada] numa noite. Os familiares precisaram nos mostrar as fotos das embalagens, porque era algo inacreditável", complementa o médico.

Posts Relacionados

O impacto de um diagnóstico de Alzheimer precoce

Grupos de apoio são fundamentais para lidar com a situação, que também é devastadora do ponto de vista financeiro

Remédio nem sempre é indicado para tratar insônia; entenda mais sobre o distúrbio

Remédio nem sempre é indicado para tratar insônia; entenda mais sobre o distúrbio

A insônia é um distúrbio do sono caracterizado pela dificuldade de adormecer, permanecer dormindo ou ambos

Sociedade Internacional de Menopausa defende os benefícios da reposição hormonal

Sociedade Internacional de Menopausa defende os benefícios da reposição hormonal

Com acompanhamento médico, até mulheres acima dos 65 anos poderiam ter uma melhora em sua qualidade de vida

Casos de mpox passam de 100 mil em todo o mundo, diz OMS

Casos de mpox passam de 100 mil em todo o mundo, diz OMS

Novo relatório divulgado pela OMS mostra que desde 1º de janeiro de 2022 foram registrados 103.048 casos da doença

Mulheres com endometriose têm 20% mais risco de infarto ou AVC, aponta pesquisa

Mulheres com endometriose têm 20% mais risco de infarto ou AVC, aponta pesquisa

Trabalho apresentado em congresso de cardiologia revela que doença pode lesar o coração e os vasos sanguíneos

Estudo aponta picos de envelhecimento aos 44 e aos 60 anos

Estudo aponta picos de envelhecimento aos 44 e aos 60 anos

Uma pesquisa recente indica que o corpo humano passa por dois picos de mudanças moleculares – ligadas ao envelhecimento

Uma xícara de café pode ser boa para você

Pesquisas mostram que a ingestão moderada de café pode ser boa para o cérebro e ajudar a prevenir doenças mentais

‘Slow living’: por que ‘não fazer nada’ é bom para a saúde

‘Slow living’: por que ‘não fazer nada’ é bom para a saúde

O ritmo de vida mais lento será a resposta ao estresse ou apenas mais um estilo de vida inatingível?

pt_BRPortuguese