O câncer não é uma exclusividade dos seres humanos: outros animais, plantas, algas e até fungos também são acometidos pelo crescimento anormal e acelerado de células.
Essa é a premissa que guia o trabalho do biólogo Carlo Maley, diretor do Centro de Evolução do Câncer da Universidade Estadual do Arizona, nos Estados Unidos.
O especialista coordena um esforço internacional para entender como o processo que leva à formação das células tumorais acontece em diferentes espécies — para, quem sabe, encontrar maneiras de prevenir ou tratar melhor a doença em seres humanos.
Entre vários projetos de pesquisa, Maley também esteve envolvido na criação do jardim Endless Forms Most Beautiful (“Formas Infinitas de Beleza”, em tradução livre) — frase retirada do livro A Origem das Espécies, de Charles Darwin.
O espaço foi instalado em 2018 na área externa da instituição e traz diversos cactos com uma espécie de câncer.
Nesses organismos, a replicação descontrolada de células gera novas estruturas disformes — conhecidas como fasciações ou cristatas —, mas geralmente não levam à morte.
Essas diferentes formas de lidar com o câncer na natureza inspiraram o biólogo a desenvolver, ao lado de outros colegas da área, a chamada terapia adaptativa. O objetivo aqui é usar medicamentos em doses baixas e por um tempo curto, para apenas controlar o crescimento do câncer, e não tentar extirpá-lo do corpo, como proposto por todos os tratamentos disponíveis até agora.
Do ponto de vista prático, quais são as semelhanças e as diferenças entre o câncer que dá em plantas e aquele que se desenvolve no corpo de seres humanos?
Carlo Maley: Uma das similaridades, claro, é que as células cancerosas crescem fora de controle. Para a planta, isso é ruim, pois interfere na floração e na reprodução. Do ponto de vista evolutivo, é algo bem negativo, quase equivalente à morte em alguns casos. Em outros, isso deixa o vegetal grande e pesado.
Para os cactos, o câncer pode significar um crescimento de diferentes formas. E eles geralmente não morrem por causa disso.
A partir dessas observações, fizemos uma analogia inspiradora: há muitas espécies no planeta que podem ter câncer, mas não morrem por causa dele. E isso se tornou a base de nossa pesquisa: como gerenciar o tumor, de modo que passemos a conviver com ele, e não mais morrer por causa disso?
Na frente de nosso prédio na Universidade Estadual do Arizona, criamos um jardim de cactos afetados pelo câncer. A ideia é ilustrar que todas as formas de vida multicelular podem desenvolver tumores — e algumas não morrem. Ou seja, existem maneiras de manejar essa condição.